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APOCALIPSE – SIGNIFICADO E INTERPRETAÇÃO

  • Foto do escritor: Prof. Gildo Gomes
    Prof. Gildo Gomes
  • 9 de mar.
  • 8 min de leitura


Como dizia Gordon Fee: “Entrar no Apocalipse, em relação ao resto do Novo Testamento, é entrar em um estranho e bizarro novo mundo; isto é verdade mesmo nos dias de Senhor dos Anéis e Harry Potter. Ao invés de narrativas, argumentos ou declarações factuais simples, o livro de Apocalipse é cheio de anjos, trombetas e terremotos; de bestas estranhas, dragões e poços sem fundo”.1 Os anos passaram e os problemas exegéticos de Apocalipse não são tanto os monstros nele apresentados e, sim, a monstruosidade de certos intérpretes que desprezaram o gênero apocalíptico e literalizaram seus símbolos, tal qual fez Hal Lindsey no famoso A Agonia do Grande Planeta Terra, de 1970. Para Lindsey os gafanhotos de Apocalipse 9 eram helicópteros de ataque. Infelizmente de lá para cá muitos estudos de Apocalipse ainda justificam o comentário de G.K Chesterton: “Embora São João, o evangelista, tenha visto muitos monstros estranhos em sua visão, ele não viu criaturas tão selvagens como um de seus próprios comentaristas”.2 Todos estamos cientes das dificuldades interpretativas do livro de Apocalipse. Exemplo disso, leia agora mesmo o Evangelho de João 14.5,6 e depois o Apocalipse de João 13.1,2. Qual dos dois textos, escritos pelo mesmo autor, exige mais do leitor para compreendê-lo? Certamente o segundo. Mentes capazes na história da igreja reconheceram suas limitações no trato com Apocalipse. Calvino recusou-se a escrever um comentário sobre o livro3 e Lutero chegou a dizer que não se sentia à vontade com Apocalipse e passou tempo sem o valorizá-lo.


APOCALIPSE É UMA REVELAÇÃO DE JESUS CRISTO

A expressão revelação geralmente se refere a chegada definitiva do reino de Deus no futuro como em Lucas 17.30. Mas além disso, revelação também se refere ao tempo presente, pois Jesus falou em Mt 11.25-27 que o Pai “revela” as “coisas ocultas” aos “pequeninos”. O mesmo texto ainda diz que o Filho “revela” o Pai a quem ele “quer”. O livro de Apocalipse é uma “revelação” para os servos de Cristo (Ap 1.1). Revelação (do gr. apokalupsis), literalmente significa “tirar o véu”. Imagine o descortinar da empanada de um teatro quando a plateia finalmente verá o espetáculo ou o momento da aproximação da noiva no casamento quando o noivo tirará o véu para todos contemplarem o rosto da amada. Apocalipse é algo similar e quer dizer revelação de uma mensagem e não “destruição” como a mídia e os filmes de Hollywood transmitem nas telas. É impressionante a quantidade de pessoas que acreditam que o mundo se acabará por bomba atômica ou nuclear numa guerra tipo Estados Unidos X Rússia. Durante a Guerra Fria (1945-1989), quando criança acreditava que existia um botão que o presidente americano poderia apertar e outro que o presidente russo também faria o mesmo, e então o mundo se acabaria. Vivíamos em pânico por acreditar que os homens decidiriam nossa vida e morte. A palavra “trono” é predominante no Apocalipse, aparece umas 46 vezes no livro, mas esse domínio real é do Cordeiro que já venceu na cruz (Ap 5.5-14). A decisão do fim do velho mundo para o começo do novo mundo é dele e não pertence a homem nenhum: “Se todas essas coisas serão assim destruídas, que tipo de pessoa deveis ser? Pessoas que vivem em santidade e piedade, aguardando e esperando ansiosamente a vinda do dia de Deus; por causa desse dia, os céus se dissolverão pelo fogo, e os elementos, ardendo, derreterão. Nós, porém, segundo sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça”. (2Pd 3.11-13). A destruição dos homens é para extinguir, acabar; a que Deus fará é para o término dos antigos céus e terra e a origem de novos céus e terra onde “não haverá mais morte, nem pranto, nem lamento, nem dor, porque as primeiras coisas já passaram” (Ap 21.4). Aquele que já inaugurou a “nova criação” (2Co 5.17) é quem a consumará na sua vinda gloriosa (Ap 21.1).

 

APOCALIPSE É UMA REVELAÇÃO SIMBÓLICA


O primeiro versículo de Apocalipse é uma das chaves hermenêutica do livro: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as cousas que em breve devem acontecer, e que ele, enviando por intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João” (Ap 1.1). O verbo “notificou” aparece nas traduções de Almeida Atualizada, Corrigida, Corrigida Fiel e Contemporânea. Nas traduções católicas “notificou” aparece na Tradução dos Missionários Capuchinhos. Notificar (gr. semainõ), quer dizer “significar”, “ensinar por símbolos”.5 No lugar de notificou a NVI usa a expressão “para torná-la conhecida”. Segundo Tim Chester: “A palavra traduzida por “tornada conhecida” em 1.1 é literalmente “significada”. Apocalipse está escrito em linguagem de “sinais”.6 Inclusive algumas traduções católicas usam a expressão “sinais” em Apocalipse 1.1: “Esta é a revelação de Jesus Cristo: Deus a concedeu a Jesus, para ele mostrar aos seus servos as coisas que devem acontecer muito em breve. Deus enviou ao seu servo João o Anjo, que lhe mostrou estas coisas através de sinais”. 

(Bíblia Sagrada, edição pastoral). “Revelação de Jesus Cristo: Deus lha concedeu para que mostrasse aos seus servos as coisas que devem acontecer muito em breve. Ele a manifestou com sinais por meio de seu Anjo, enviado ao seu servo João”. (Bíblia de Jerusalém). Portanto, o início do Apocalipse já mostra o tom de todo o livro e nos alerta para o erro dispensacionalista em afirmar que o Apocalipse deve ser interpretado literalmente a menos que seja necessário, interpretá-lo simbolicamente. Na verdade, o “notificou” de Ap 1.1, que quer dizer ensinar por “sinais” ou “símbolos”, nos diz que devemos interpretar o livro simbolicamente, a menos que seja preciso ou sejamos forçados a interpretá-lo literalmente. A repetição constante das palavras “como” e “semelhante” no livro já nos alerta para a não literalidade do Apocalipse.

 

O APOCALIPSE É UMA REVELAÇÃO COMPOSTA DE DETALHES


Todos praticamente concordam que o livro de Apocalipse é composto de três gêneros literários que são o apocalíptico, o profético e o epistolar7. O apocalipse não é o primeiro livro a usar esse gênero. No Antigo Testamento temos porções apocalípticas nos profetas Isaias, Ezequiel, Daniel e Zacarias, porém é no Apocalipse de João que se usa detalhes impressionantes com figuras, símbolos, números, cores, visões com grandes batalhas e imagens chocantes. O número sete, por exemplo, predomina durante todo o livro seja de modo explícito, citado 54 vezes (7 anjos, 7 igrejas, 7 espíritos, 7 olhos, 7 selos, 7 trombetas, 7 taças e 7 montes), ou ainda de forma implícita como a menção de 7 bem aventuranças, 7 referências a volta de Jesus, 7 referências à palavra de Deus e 7 referências ao Deus Todo Poderoso, destacado pelo estudioso de Apocalipse Leandro de Lima8. 

 

 

A INTEPRETAÇÃO DOS SÍMBOLOS DO APOCALIPSE


Já sabemos do uso abundante de símbolos no livro de Apocalipse, mas uma coisa é constatar o simbolismo existente; e outra é interpretá-los corretamente. O livro é uma revelação, portanto não se trata de uma charada ou enigma que tentaremos desvendar no estilo: “Do que come saiu comida e do forte saiu doçura”(Jz 14.14). Não, o Apocalipse é uma revelação de Jesus ao seu servo João com as explicações do anjo. Para interpretarmos os seus símbolos de maneira correta são necessárias três tarefas essenciais:

1)     O Espírito Santo sabia das nossas dificuldades na interpretação dos símbolos, e por isso, muitos símbolos já estão interpretados aos leitores no próprio livro. Assim como Jesus interpretou muitas das suas parábolas, igualmente diversos símbolos são interpretados no livro de Apocalipse como: a) Candeeiros representam igrejas (1.20); b) Olhos representam o Espirito (5.6; 4.5); c) Incenso representa orações (5.8; 8.3,4); d) O dragão representa Satanás (12.9); e) Cabeças representam montes (17.9); f) Chifres representam reis (17.12); g) Águas representam povos (17.15); h) Linho fino são atos de justiça do povo de Deus (19.8); i) O lago de fogo é a segunda morte (20.14);

2)      O livro de Apocalipse não cita diretamente o Antigo Testamento, mas é o livro do Novo Testamento que mais faz alusões ao Antigo. Caso o leitor não conheça o Antigo Testamento, terá muita dificuldade para entender o Apocalipse e interpretar seus símbolos. Não há consenso entre os estudiosos da quantidade exata de alusões, citações parciais ou ecos do Antigo Testamento no Apocalipse. Bruce Metzger afirma que nos 404 versículos de Apocalipse, há 278 alusões ao Antigo Testamento.9 O apóstolo João toma certa referência do Antigo Testamento e as universaliza, por exemplo, Êxodo 19.6 diz que Israel é “reino e sacerdote”; em Apocalipse 1.6;5.10, “reino e sacerdote” se aplica a igreja de Jesus. Entre outros exemplos de uso do Antigo Testamento em Apocalipse, citamos as sete lâmpadas no tabernáculo (Êx 25.31-40). O Apocalipse menciona os sete candelabros, referindo-se as igrejas (Ap 1.20). A besta de Apocalipse 13.1,2 com aparência de leopardo, pés de urso e boca de leão nos lembra os quatro animais da visão do profeta Daniel 7. G.K. Beale está correto: “O problema deles [ouvintes de Cristo] não era que Moisés contradizia Cristo, e sim que eles se recusavam a crer no que Moisés disse a respeito de Cristo (Jo 5.45-47). A mesma verdade aplica-se à interpretação do Apocalipse. Sem dúvida, a chave mais importante para se entender a visão de João é entender o AT... A maioria das pessoas entende o Apocalipse como ponto de partida para se olhar para frente. Contudo, sem antes olharmos para trás, para o AT, e vermos o que ele significa na época de João, e então dali nos movermos para frente, para o presente, não entenderemos corretamente o que o Apocalipse tem a dizer sobre o passado, o presente e o futuro”.10

3)     O Apocalipse não é uma história linear e cronológica, mas uma repetição sétupla dos acontecimentos dos finais dos tempos que começou com Cristo (1Co 10.11). Em outras palavras o livro conta a mesma história sete vezes, com detalhes diferentes, tornando mais rico e intenso o clímax final com a mesma mensagem da vitória do Cordeiro sobre o mal. Não é de admirar o Apocalipse ser dividido em sete secções, já que o número sete é predominante no livro. Esse estilo facilitava aos primeiros ouvintes, pois o livro era lido e ouvido nas igrejas. A repetição da história facilitava a compreensão do povo de Deus. Esse método de interpretação do Apocalipse é chamado de paralelismo progressivo, defendido por William Hendriksen11 (1900-1982) e Anthony A. Hoekema12 (1913-1988). Se uma pessoa lê o Apocalipse como uma sequência de acontecimentos cronológicos do tipo, primeiro os selos, depois as trombetas e as taças, ficará confusa, pois é como se o mundo se acabasse várias vezes. Na verdade, a mesma história se repete 7 vezes e as sete seções são identificadas pela volta de Cristo e o juízo final. Exceção da primeira seção que são as sete igrejas, as 7 seções paralelas do livro de Apocalipse são uma espécie de sete de sete:


·       Cristo e os Sete Candeeiros (Ap 1-3)

·       O Cordeiro e os Sete Selos (Ap 4-7)

·       As Sete Trombetas (Ap 8-11)

·       O Dragão e as Sete Vozes (Ap 12-14)

·       As Sete Taças (Ap 15-16)

·       As Sete mensagens de juízo (Ap 17-18)

·       As Sete últimas coisas (Ap 19-22)


Esperamos com isso ter-lhe ajudado na leitura, significado e interpretação do Apocalipse. A interpretação e exposição desse último livro da Bíblia é coisa bastante séria e para isso precisamos lê-lo com responsabilidade. Como disse Michael J. Gorman: “Como uma pessoa lê, ensina e prega o livro de Apocalipse pode ter grande impacto no bem estar emocional, espiritual e até físico e financeiro tanto dela mesma quanto das demais pessoas. Interpretar o livro de Apocalipse é, portanto algo sério e sagrado que não deve ser encarado de forma leviana.”13

 

Referências bibliográficas

[1] Comentário Bíblico Apocalipse, Gordon Fee. Base Livros, 2023. p. 9

[2] Brado de Vitória, G.K Beale e David H. Campbell. Cultura Cristã, 2017. p. 5

[3] Comentário Bíblico Moody, vol 5, Charles F. Pfeiffer e Everest F. Harrison. Batista Regular, 1983, p. 403

[4] Bíblia de Estudo da Reforma, Sociedade Bíblica do Brasil. SBB, 2017. p. 40

[5] A Bíblia Vida Nova, Ed. Russel P. Shedd. Vida Nova, 1989. Nota de Apocalipse 1.1 p. 291

[6] Apocalipse para você, Tim Chester. Vida Nova, 2021. p. 29

[7] Apocalipse, comentário exegético, Grant R. Osborne. Vida Nova, 2014. p. 13

[8] Exposição do Apocalipse (1-7), Leandro de Lima.  Agathos, 2015, pp. 19-22

[9] Lendo Apocalipse com responsabilidade, Michael J. Gorman. Thomas Nelson, 2022. p. 45

[10] Brado de Vitória, G.K Beale e David H. Campbell. Cultura Cristã, 2017. p. 19

[11] Mais que vencedores. William Hendriksen. Cultura Cristã, 2011. pp. 25-28

[12] A Bíblia e o Futuro, Anthony A. Hoekema. Cultura Cristã, 2012. p. 238-241

[13] Lendo Apocalipse com responsabilidade, Michael J. Gorman. Thomas Nelson, 2022. p. 14

 

 
 
 

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